“Bom dia, senhor Namu Myoho”
O sr. Lee estava preso acusado de matar sua
mulher e um júri popular o condenou a morte por enforcamento. Lee, seria
enforcado na “Praça Central” da cidade
no dia 23 de fevereiro de 1885.
Há muitos anos
passados, quando Lee ainda era bem jovem ele havia trabalhado no navio Empress
of India. Na tripulação haviam canadenses, alemães e apenas um japonês
chamado Tanaka, natural de Yokohama, especialista
em blindagem hidraulica em
navios. Numa noite de tempestades intensas o jovem Lee foi
jogado ao mar e foi salvo pelo japonês. Desde então se tornaram mais do que
amigos de bordo: eram como irmãos. Tanaka era um budista da linha Mahaiana e Lee se converteu ao budismo. Depois que voltou ao
Japão, Tanaka enviou um oratório e o
pergaminho ao amigo inglês, e Lee foi fiel durante mais de 20 anos fazendo suas
orações na frente do Oratório e estudando a Sutra de Lótus, do Buda Sakiamuni.
Na pequena cela onde esperava a morte, Lee recitava sem parar a “reza” dos
devotos desfiando seu terço de 72 contas. O carrasco noturno era um homem sem a
menor consideração para com o apenado, era cínico e procurava ofender e
humilhar ainda mais os presos. Ele ouvia o sr. Lee recitar o “terço” budista (Juzu) e toda manhã, quando vinha trazer
uma caneca de café e um pão seco, costumava zombar de Lee e de sua religião,
saudando-o com uma alegria debochada e hilariante, dizendo:
“Bom dia, senhor Namu Myoho; tá chegando o dia de por a corda
no seu pescoço!”
Quando chegou o dia
anterior da execução Lee se mostrava tão seguro e sereno que o funcionário
encarregado de conduzir Lee para o patíbulo no outro dia, ficou surpreso. O
preso, neste seu penúltimo dia de vida tinha direito a um último pedido, que
seria ou não aceito. Lee pediu ao funcionário para trazerem seu oratório para a
cela, pois ele desejava recitar a oração em frente do pergaminho na última
noite que lhe restava de vida. O tempo
havia passado depressa, hoje o Sr. Tanaka era um Monge Budista no Japão e
mantinha correspondência permanente com Lee, desde o Japão, encorajando-o e lhe
dando esperança. Tanaka era seu único contato na prisão, foi Tanaka que enviara
o Oratório para o sr. Lee, e por isso o pedido foi aceito e trouxeram o oratório para a cela.
No outro dia, as 6
horas da manhã o funcionário responsável pelo enforcamento entrou na cela e viu
o sr. Lee sentado no chão, com as pernas cruzadas na “posição do Lótus” na
frente do Oratório, com as mãos unidas na altura do peito, o terço entre seus
dedos e o Oratório colocado em cima do banco tosco de cimento que era o único
utensílio na cela, servindo como base para o Oratório. O funcionário
respeitosamente esperou o apenado se levantar. Lee agia de forma natural, como
uma pessoa que vai tomar seu café da manhã e depois ler o jornal. Sorriu para o
funcionário e agradeceu por não ter sido
interrompido enquanto orava.
Lee saiu da cela
caminhando com a cabeça erguida, atravessou o pátio da prisão passando entre o
grupo de testemunhas da execução, entre eles alguns jornalistas e advogados e
sua calma e naturalidade causava espanto e admiração entre as testemunhas.
A praça era ampla, mas
os habitantes de Exeter, a maioria agricultores não queriam aquela forca na
cidade e a maioria das pessoas que estavam na praça tinham vindo de outras
cidades próximas para assistirem a execução. Lee estava em cima do alçapão com
a corda no pescoço, as mãos amarradas para trás, mas segurava o terço e
continuava orando. O carrasco estava em baixo do tablado, ao lado da alavanca
que puxada liberava a trava. Era um veterano que já tinha puxado alavancas em
várias cidades dezenas de vezes. Estava acostumado, quando puxava a alavanca a
ver o corpo do condenado descer rápido e parar com um baque brusco com a corda
retesada no pescoço. O Meretíssimo Juíz da execução levantou o braço direito
com a palma da mão aberta, e o carrasco se aproximou mais da alavanca. O Juíz
fechou a mão, o carrasco estendeu o braço e segurou firme na alavanca, o Juíz
baixou o braço, o carrasco puxou a alavanca, mas... o alçapão não se abriu. Lee
continuava em pé sobre o alçapão e as pessoas que se encontravam mais perto do
tablado ouviram sua oração ecoando na praça: “Namu-Myoho-Rengue-Kyo”-“Namu-Myoho-Rengue-Kyo” – Namu-Myoho-ren...".
A confusão foi geral.
As pessoas da cidade que já não queriam aquela forca na praça começaram a
gritar contra os responsáveis pela execução, e alguns diziam: “Não abriu; ele é
inocente, estão vendo?” – “È a justiça divina”, diziam outros... Mandaram levar
Lee de volta para a cela o mais rápido possível, pois o povo começou a ofender
o próprio juiz da execução, com palavras de baixo calão.
Os responsáveis pela
execução se reuniram agitados sem entender o que tinha ocorrido. Era a primeira
vez, em centenas de anos de execuções que o alçapão não se abrira. Todos os
pátibulos de execução da Inglaterra eram iguais. Os técnicos examinaram a
alavanca, a trava, o alçapão...
Não havia nada de
errado: Tinha de ter funcionado! Chamaram um marceneiro e mandaram ele
desbastar as beiradas do alçapão e engrachar as dobradiças, mas o marceneiro
disse que aquilo era ridículo, mesmo sem o peso de uma pessoa, o alçapão se
abria livremente. O alçapão deveria ter funcionado.
Lee voltou para a cela
com um sentimento de gratidão no coração e a mesma oração nos lábios. Estava
muito feliz, pois agora poderia ler algumas cartas do seu amigo Tanaka. As
cartas em Exeter eram entregues a cada 15 dias e justamente na noite anterior á
execução lhe entregaram a correspondência, mas não havia luz na cela.
Ficou determinado pela
comissão da execução que Lee seria enforcado em três dias. O carrasco era o que
mais estava assustado e parou de zombar do sr. Lee, chamado-o de “Senhor Namu
Myoho” e quando ele ouvia o sr. Lee recitando sua oração dentro da cela, um
califrio percorria sua espinha de alto á baixo.
No dia da execução a
mesma observância: Lee passando pelas testemunhas no pátio, Lee subindo na
plataforma do patíbulo, Lee em cima do alçapão com a corda no pescoço. A
diferença estava na multidão que havia na Praça. A notícia de que o alçapão não
se abriu correu de boca em boca e alguns jornais noticiaram de forma alarmante
e sensacionalista o fato do alçapão “se recusar a abrir” porque o condenado não
parava de rezar.
A Praça estava tomada
pela multidão que comentavam animados o fato ocorrido há três dias, tudo estava
pronto e o Juíz levantou o braço direito com a mão aberta, fechou o punho, como
quem vai desferir um murro, o carrasco segurou firme na alavanca do alçapão, o
Juíz baixou o braço e o carrasco puxou com força desnecessária a alavanca... e,
outra vez o alçapão não abriu. Lee, continuava tranquilamente a recitar sua
oração, parado como uma estátua em cima do alçapão: “Namu-Myoho-Rengue-Kio” –
“Namu-Myoho-Rengue-Kyo” – Namu-Myoho-Ren...”
A confusão na Praça
Central de Exeter era tamanha que chegaram a derrubar a mesa do Juíz da
execução, e quase agrediram o carrasco. Lee voltou para a cela e continuou sua
oração em frente ao Oratório, indiferente ao ocorrido.
No tempo entre uma
execução e outra, um jornalista entrevistou um lavrador que morava perto das
terras do sr. Lee, e ele afirmava que no mesmo dia que a esposa do sr. Lee
tinha sido estrangulada, um homem desconhecido na região tinha invadido sua
casa e tentara agredir sua filha. Por sorte este lavrador estava com o machado
na mão rachando lenha e conseguiu enxotar o agressor. Este jornalista tentou um
contato com uma autoridade superior da Corte Suprema para revisarem o processo
contra Lee, mas não obteve sucesso.
O advogado de Lee, fornecido
gratuitamente pelo Condado de Exeter estava buscando provas que mostravam
claramente que Lee era inocente, e gastava dinheiro do próprio bolso para pagar
investigações conclussivas, mostrando a inocência de seu cliente.
À noite na prisão um
fato inusitado ocorreu: o carrasco mudara completamente sua maneira rude e
provocativa de tratar os presos. Era solícito e agora respeitava os direitos
dos apenados chegando até a admirar o sr. Lee. Naquela noite ele parou na
frente da porta da cela e pediu desculpas ao sr. Lee. Então, humildemente pediu
ao sr. Lee para aceitar algumas frutas que ele tinha colhido no pomar de um amigo,
para que o sr. Lee colocasse as frutas no Oratório. Lee disse ao carrasco que
compreendia as dificuldades que ele enfrentava por ter escolhido uma profissão
tão dolorosa, e colocou as frutas na frente do Oratório, em cima do banco tosco
de cimento.
*** Por mais duas vezes
John Lee subiu ao patíbulo para ser enforcado, mas o alçapão não abria quando a
alavanca era acionada. Era a quarta tentativa de enforcarem Lee.
O assunto passou então
a ser tratado pela alçada da Câmara dos Comuns da Inglaterra, que pela primeira
vez na história concluiram que o reu não deveria mais receber aquela pena,
sendo a sentença comutada para prisão perpétua. Mas nem isto conseguiram: 22
anos depois, em setembro de 1907 o sr. John Lee foi solto. Os jornais da época
deram grande destaque ao fato e o semanário “Lloyds Weekly” estampou na
primeira página uma manchete, entrevistando algumas testemunhas que tinham
participado da “inusitada execução” do sr. Lee, ocorrida em 1885.
Em um livro “Wilds Talents” o escritor Charles Fort
comenta a história fantástica do sr. John Lee e afirma que: “a única explicação plausível para o alçapão
não abrir, era a inocência do condenado!”, e sem dúvida a oração cheia de
fé que o sr. Lee recitava, ouso acrescentar.
História verídica, por
Toninho Claro (75 anos) – Lins, SP.