sábado, 29 de agosto de 2015

Monge Budista em Guaiçara, SP.



“Causos” de um Peregrino Budista


Antonio Carlos Claro*


Tenho atualmente 75 anos (13/06/1940), e quando eu tinha uns nove anos, ou talvez menos, na época em que o atual Templo Budista Taissenji estava sendo transferido de Guaiçara para Lins, SP, conheci o Sr. Tomojiro Ibaragui.

Havia uma pequena oficina de carros ao lado do Clube Comercial, de propriedade do Sr. Arthur Cúppari e num domingo o Sr. Tomojiro apareceu por lá. 

Tomojiro conhecia o Sr. Arthur e tinha vindo encabar uma enxada, pedindo para usar a morsa e o esmerilho da oficina. Eu estava tentando fazer um carrinho de rolimãs e tive a feliz oportunidade de falar com aquele homem. 

Fazer um carrinho com rodas de rolimãs era o que todo moleque almejava naqueles tempos para descer “voando” as ruas.  

Eu estava eufórico por ter conseguido a última das quatro rolimãs que faltavam para montar o carrinho e me lembro muito bem daquele domingo tão especial.  Enquanto eu montava o meu “Fordão”, (cada criança dava um nome para estes carrinhos) via o “Seu” Tomojiro amolando a enxada  depois de encabada, e o que mais me chamou a atenção, talvez por ser ainda uma criança, foram suas mãos enormes que trabalhavam com uma suavidade e firmeza impressionante no aço, e na madeira do cabo da enxada. 

Uma criança, entre os 7 aos 10 anos de idade começa a observar o mundo em seus pequenos detalhes, e como eu estava no chão montando meu “Fordão”, olhando para cima percebi que “Seu” Tomojiro olhava com absoluta concentração cada detalhe do que ele estava fazendo. 

Parecia que ele não estava amolando uma enxada, mas realizando uma obra de arte. Depois fiquei sabendo que ele estava encabando a enxada para o “Seu” Dito Bráz, um negro muito estimado na cidade, forte como um touro, mas tinha uma alma de criança e era analfabeto.    
Meu tio Miguel, filho do Sr. Arthur me falou mais sobre o Sr. Tomojiro, e fiquei sabendo que ele era um missionário, um religioso vindo do Japão, “parecia um trator trabalhando”, exagerava meu tio no seu comentário. Apesar de ser uma criança, ou por causa disso mesmo, eu nunca mais esqueci daquele homem.

 Havia algo diferente nele, algo de bom que eu não sabia definir.
Dona Nina, esposa do Sr. Arthur Cúpari me disse que ele era um Padre Budista que morava em Guaiçara, e seria o Pároco de um Templo que estavam reformando em Lins. Da. Nina era católica praticante e falava usando o linguajar da Igreja Católica, para descrever quem era o Sr. Tomojiro. 

Relembrando estes fatos, não tenho dúvidas que o Monge Ibaragui estava fazendo um trabalho missionário de conversão ao Budismo em Dona Nina, pois ela falava “defendendo” o Dharma, ou melhor: exaltando a religião do “Seu” Tomojiro.

Eu era uma criança e meu tio percebendo que eu havia me impressionado com o Sr. Tomojiro, procurou aguçar ainda mais minha curiosidade com pilhérias, dizendo que Tomojiro sabia uma reza que fazia chover, com ou sem relâmpagos, que ele entendia a língua dos animais, principalmente a língua dos pássaros etc, e apesar de saber que meu tio estava brincando, eu fiquei ainda mais curioso com aquele peregrino que tinha cruzado o mar, fazendo hortas e principalmente plantando sementes... sementes da flor do Lótus do Budismo.


(*) Toninho Claro, 75 anos, mora em Lins, SP.

- Ibaragui Nissui (1886-1971), foi o primeiro monge budista a pisar em solo brasileiro, veio com o primeiro navio japonês Kasato Maru, em 1908, trazendo imigrantes.


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