“Causos”
de um Peregrino Budista
Antonio
Carlos Claro*
Tenho
atualmente 75 anos (13/06/1940), e quando eu tinha uns nove anos, ou talvez
menos, na época em que o atual Templo Budista Taissenji estava sendo
transferido de Guaiçara para Lins, SP, conheci o Sr. Tomojiro Ibaragui.
Havia
uma pequena oficina de carros ao lado do Clube Comercial, de propriedade do Sr.
Arthur Cúppari e num domingo o Sr. Tomojiro apareceu por lá.
Tomojiro
conhecia o Sr. Arthur e tinha vindo encabar uma enxada, pedindo para usar a morsa
e o esmerilho da oficina. Eu estava tentando fazer um carrinho de rolimãs e
tive a feliz oportunidade de falar com aquele homem.
Fazer
um carrinho com rodas de rolimãs era o que todo moleque almejava naqueles
tempos para descer “voando” as ruas.
Eu
estava eufórico por ter conseguido a última das quatro rolimãs que faltavam
para montar o carrinho e me lembro muito bem daquele domingo tão especial. Enquanto eu montava o meu “Fordão”, (cada
criança dava um nome para estes carrinhos) via o “Seu” Tomojiro amolando a
enxada depois de encabada, e o que mais
me chamou a atenção, talvez por ser ainda uma criança, foram suas mãos enormes
que trabalhavam com uma suavidade e firmeza impressionante no aço, e na madeira
do cabo da enxada.
Uma
criança, entre os 7 aos 10 anos de idade começa a observar o mundo em seus
pequenos detalhes, e como eu estava no chão montando meu “Fordão”, olhando para
cima percebi que “Seu” Tomojiro olhava com absoluta concentração cada detalhe
do que ele estava fazendo.
Parecia
que ele não estava amolando uma enxada, mas realizando uma obra de arte. Depois
fiquei sabendo que ele estava encabando a enxada para o “Seu” Dito Bráz, um
negro muito estimado na cidade, forte como um touro, mas tinha uma alma de
criança e era analfabeto.
Meu
tio Miguel, filho do Sr. Arthur me falou mais sobre o Sr. Tomojiro, e fiquei
sabendo que ele era um missionário, um religioso vindo do Japão, “parecia um
trator trabalhando”, exagerava meu tio no seu comentário. Apesar de ser uma
criança, ou por causa disso mesmo, eu nunca mais esqueci daquele homem.
Havia algo diferente nele, algo de bom que eu
não sabia definir.
Dona
Nina, esposa do Sr. Arthur Cúpari me disse que ele era um Padre Budista que
morava em Guaiçara, e seria o Pároco de um Templo que estavam reformando em Lins. Da. Nina era
católica praticante e falava usando o linguajar da Igreja Católica, para
descrever quem era o Sr. Tomojiro.
Relembrando
estes fatos, não tenho dúvidas que o Monge Ibaragui estava fazendo um trabalho
missionário de conversão ao Budismo em Dona Nina, pois ela falava “defendendo” o Dharma,
ou melhor: exaltando a religião do “Seu” Tomojiro.
Eu
era uma criança e meu tio percebendo que eu havia me impressionado com o Sr.
Tomojiro, procurou aguçar ainda mais minha curiosidade com pilhérias, dizendo
que Tomojiro sabia uma reza que fazia chover, com ou sem relâmpagos, que ele
entendia a língua dos animais, principalmente a língua dos pássaros etc, e
apesar de saber que meu tio estava brincando, eu fiquei ainda mais curioso com
aquele peregrino que tinha cruzado o mar, fazendo hortas e principalmente plantando
sementes... sementes da flor do Lótus do Budismo.
(*)
Toninho Claro, 75 anos, mora em Lins, SP.
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Ibaragui Nissui (1886-1971), foi o primeiro monge budista a pisar em solo brasileiro,
veio com o primeiro navio japonês Kasato Maru, em 1908, trazendo imigrantes.
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