domingo, 9 de março de 2008

Buda e o Demônio

“Eu quero contar a vocês uma história sobre Buda e o Diabo. Um dia o Buda estava em sua caverna e Ananda, que era o assistente do Buda, estava de pé do lado de fora guardando a entrada. De repente Ananda viu Mara ( na língua páli é o demônio) aproximando-se. Ele ficou surpreso. Ele não queria aquilo e desejou que o Capeta sumisse. Porém, Mara seguiu direto para Ananda e pediu-lhe que anunciasse sua visita ao Buda.

Ananda disse: “Por que você veio aqui? Você não se lembra que nos velhos tempos você foi derrotado pelo Buda sob a árvore Bodi (árvore da iluminação)? Você não tem vergonha de vir aqui? Vá embora ! O Buda não o receberá. Você é mau. Você é inimigo dele”. Quando Mara ouviu isso começou a rir muito. “Você disse que o seu mestre falou que tinha inimigos?” Aquilo deixou Ananda muito embaraçado. Ele sabia que o seu mestre nunca falara em ter inimigos. Assim, Ananda foi derrotado e teve de entrar para anunciar a visita do Demônio, esperando que o Buda pudesse dizer: “Vá e diga a ele que não estou aqui. Diga que estou numa reunião”.

Contudo, o Buda ficou muito animado quando ouviu que Mara, um tão velho amigo, tinha vindo visitá-lo. “É isto verdade? Ele está mesmo aqui?” disse o Buda, e saiu pessoalmente para cumprimentar o Satanás. Ananda ficou muito perturbado. O Buda foi direto até Mara, fez-lhe uma reverência e pegou suas mãos de forma mais calorosa. O Buda disse: “Olá ! Como está você? Como tem passado? Está tudo bem com você?”

Mara não disse coisa alguma. Então, o Buda trouxe-o para o interior da caverna, preparou-lhe um lugar para sentar e disse a Ananda para ir fazer um chá de ervas para ambos. “Eu posso preparar chá para o meu mestre cem vezes por dia, mas preparar chá para o Diabo não é nada agradável”, pensou Ananda consigo. Mas, desde que era este o pedido do seu mestre, como poderia recusar-se? Então, Ananda foi preparar um pouco de chá de ervas para o Buda e seu assim chamado hóspede, porém, enquanto fazia isto, ele tentou escutar a conversa deles.

O Buda repetiu muito calorosamente. “Como tem passado? Como vão indo as coisas para você?” E o Demônio disse: “As coisas não vão nada bem, eu estou cansado de ser um Diabo. Eu quero ser outra coisa.”

Ananda ficou muito assustado. Mara prossegui: “Você sabe, ser um Demônio não é coisa muito fácil. Se você fala tem que falar enigmaticamente. Se você faz qualquer coisa, você tem de ser ardiloso e parecer perverso. Eu estou muito cansado de tudo isso. Mas o que eu não consigo suportar são os meus discípulos. Agora eles estão falando em justiça social, paz, igualdade, liberação, não-dualidade, não-violência e tudo mais. Já estou cheio disto ! Eu acho que seria melhor se eu os mandasse todos para você. Eu quero ser outra coisa”.

Ananda começou a tremer porque ficou com medo que seu mestre decidisse trocar de papéis. Mara se tornaria o Buda e o Buda se transformaria em Mara. Isto o deixou muito triste.

O Buda escutou atentamente e se encheu de compaixão. Finalmente, ele disse suavemente: “Você acha que é divertido ser um Buda?” Você não imagina o que os meus discípulos tem feito a mim ! Eles põem palavras em minha boca que eu jamais pronunciei. Eles constroem templos por demais vistosos e colocam estátuas minhas em altares para atrair bananas, laranjas e arroz doce, para fartarem apenas a si mesmos. Eles me empacotam e fazem do meu ensinamento um item de comércio. Mara, se você soubesse o que realmente é ser um Buda, eu estou certo de que você não gostaria de ser um.” E depois disso, o Buda recitou um longo verso sintetizando a conversação.”

Conclusão da história: o mal e o bem estão em nosso interior.


(trecho adaptado do livro “O coração da Compreensão”, do monge vietnamita Thich Nhat Hanh, Editora Bodigaya, 2000, págs. 66 a 70).

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